domingo, 14 de setembro de 2008

Noite e Neblina

Nuit et Brouillard, Alain Resnais, 1955


Noite e Neblina surgiu como uma encomenda do Comitê de História da II Guerra para lembrar os dez anos de libertação dos campos de concentração e acabou se tornando um dos documentários mais importantes (ou o mais importante) sobre o Holocausto. Embora, nas palavras de Filipe Furtado, é “menos um filme sobre o Holocausto e mais um filme a partir dele”.
Filmado na cidade de Auschwitz depois da II Guerra, mescla as bucólicas imagens dos campos abandonados com imagens de arquivo do horror a que homens, mulheres e crianças foram submetidos. Contudo, Noite e Neblina foge do documentário tradicional com entrevistas, tempo cronológico (em um filme de Resnais isso nem é tão surpreendente) e fica com as palavras de Jean Cayrol - poeta e escritor sobrevivente dos campos.
O texto de Cayrol tem papel fundamental. É ele que pergunta “quem é o responsável?”, é ele que elucida imagens irreconhecíveis de tão absurdas, é ele que aponta o que se vê. Quando se vê um amontoado de cabelo, a princípio não há um sentido, é um signo que precisa que uma voz diga “cabelo de mulher” para que produza algum significado. São mulheres que morreram e das quais quer se aproveitar cada parte do corpo: cabelos, ossos, pele... Nas palavras de Jacques Rancière: “o momento de diálogo entre a voz que as faz ressoar e o silêncio das imagens que mostram a ausência daquilo que as palavras dizem”.
Isso é “Noite...”, é o conjunto formado pela imagem, o texto e o som. São os travellings pelos campos onde só há mato, a voz de Michel Bouquet em off revelando o que existia ali, ressuscitando fantasmas com a música de Hans Eissler ao fundo – a melancolia e leveza contrastando com a brutalidade de tudo que se passou ali.
Se o filme começa como uma denúncia, também é uma reflexão: como homens podem fazer isso com homens? Até onde vai o limite da maldade humana? Cayrol alerta: “quem vai nos avisar da chegada de novos carrascos?”, denunciando que, apesar do tempo ter passado, todo o horror não deve ser esquecido tão facilmente. Resnais traz tudo de volta à nossa memória ruim: “Nós observamos as ruínas como se o velho monstro dos campos estivesse morto nos escombros (...) fingimos acreditar que tudo aconteceu num só tempo e num só país que não observamos as coisas ao nosso redor e não ouvimos seus gritos sem fim.”
Em 32 minutos, Resnais nos dá, segundo Truffaut “uma lição de história, inegavelmente cruel, mas merecida” e leva para o futuro uma questão que nunca deverá ser esquecida no passado.

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